A doença celíaca é uma doença global que afeta, na Europa, 1% da população. Em Portugal, estima-se que 1 a 3% da população portuguesa seja celíaca, mas apenas 10 000 pessoas estarão diagnosticadas, sendo mais frequente em adultos do que em crianças.
A Doença Celíaca (DC) define-se, segundo a Associação Portuguesa de Celíacos como uma doença auto-imune que ocorre em indivíduos com predisposição genética, sendo causada pela permanente sensibilidade ao glúten. Carateriza-se por um estado de inflamação crónica na mucosa intestinal aquando da ingestão de glúten, o que desencadeia uma série de reações imunológicas contra o próprio intestino que modificam a sua mucosa e provocam consequências, como a diminuição da absorção de nutrientes e o aumento do risco de outras doenças, como a osteoporose. O tratamento da DC passa exclusivamente por uma Dieta Isenta de Glúten, permitindo a regeneração total da mucosa do intestino.
O glúten é um conjunto de proteínas que se encontra no endosperma de cereais como o trigo, a cevada, o centeio e a aveia. Assim, o tratamento consiste na eliminação total destes alimentos da dieta no dia-a-dia, bem como dos seus híbridos e derivados.
As manifestações clínicas são variadas, podendo os sintomas envolver vários órgãos e sistemas e não só o Trato Gastrointestinal. Em crianças, os sintomas mais comuns da doença (clássica) são:
- diarreia/prisão de ventre;
- distensão abdominal;
- atraso no crescimento, perda ou aumento de peso insuficiente;
- alterações de humor.
Estes sintomas aparecem geralmente pela primeira vez após a introdução de glúten na dieta, normalmente entre os 6 e os 20 meses de vida. Atualmente, a doença celíaca já não é considerada uma doença rara associada apenas à má absorção em crianças e, inclusive, os sintomas da forma Não-Clássica da doença, em adultos, tem aumentado relativamente aos da Forma Clássica, sendo eles:
- anemia e aftas recorrentes;
- dores ósseas e cãibras;
- cansaço crónico;
- fertilidade diminuída e abortos espontâneos,
- alteração de comportamentos.
O diagnóstico passa, não só pela identificação de sintomas que levantam a suspeita da doença, mas por uma série de critérios de diagnóstico sustentado:
- análises ao sangue e fezes que comprovem a má absorção de nutrientes (ferro, ácido fólico e vitaminas do complexo B);
- testes sorológicos que confirmam a presença de anticorpos da DC (anti-gliadina, anti-transglunaminase, anti-endomísio);
- biopsia ao intestino para confirmação de diagnóstico.
Para que exista segurança relativamente aos resultados, evitando falsos negativos, estas análises devem ser feitas aquando de uma dieta com glúten, de pelo menos 6 meses. Este facto, aliado ao aumento da incidência da DC em adultos com sintomas atípicos, pode explicar o elevado subdiagnóstico da doença.
Para um tratamento eficaz da DC é necessário um trabalho de equipa do Médico, do Nutricionista, da Família e da Comunidade, pois o cumprimento da dieta isenta de glúten e a aceitação das mudanças de estilo de vida não é um processo simples e pode levar a um decréscimo da qualidade de vida. Deve haver aconselhamento e apoio ao doente, bem como uma sensibilização para a doença por parte da sociedade.
Existem várias barreiras ao tratamento, que passam pela falta de informação sobre a doença por parte da população em geral, o preço mais elevado das opções de alimentos para celíacos e ainda uma menor disponibilidade ou mesmo ausência destes alimentos, em particular quando se come fora de casa ou quando se viaja.
Para que os doentes celíacos mantenham uma dieta completa, equilibrada e variada, a leitura atenta de rótulos, o conhecimento intrínseco da lista de alimentos que contêm glúten, bem como os seus híbridos, derivados proibidos, medicamentos e produtos de higiene, torna-se essencial. É também muito importante a aprendizagem culinária, para que o próprio doente e a família tenham a capacidade de confecionar pratos adequados à situação, mas ao mesmo tempo variados e apetecíveis. A adesão à dieta sem glúten a longo prazo é o fator mais decisivo para a qualidade de vida do doente. Esta situação é particularmente sensível em adolescentes, onde o apoio nutricional e psicológico podem ser determinantes para uma boa adesão ao tratamento.
O doente celíaco é particularmente frágil quando depende de terceiros na preparação de refeições. Esta situação agrava-se no caso de crianças, por exemplo. As escolas devem preparar-se para estas situações, capacitando as suas cozinhas, manipuladores de alimentos e técnicos de nutrição para a oferta alimentar sem glúten, variada e saborosa e também para situações não habituais como festas ou visitas de estudo, e neste caso sempre em parceria com os encarregados de educação.
Também tem uma importância acrescida ler a lista de ingredientes e compreender a noção dos aditivos presentes nos alimentos sem glúten, bem como a quantidade de sal, gordura e açúcar presentes. É importante que o doente tenha acesso a alimentos sem glúten, no entanto estas opções alimentares devem ser também equilibradas do ponto de vista nutricional e por isso devem apresentar teores reduzidos de sal, açúcar ou gordura, não esquecendo nutrientes chave como a vitamina D e o cálcio, para os quais se pode verificar uma menor capacidade de absorção por quem possui esta doença.
Dada a fragilidade destes doentes ao nível intestinal, deve ter-se especial cuidado em casa para evitar a contaminação dos alimentos. É importante lavar adequadamente as mãos enquanto se preparam alimentos, evitando alimentos e preparados culinários de risco, não misturando utensílios ou locais onde são preparados alimentos crus e cozinhados e dando especial atenção ao consumo alimentar fora de casa. A carne de frango e outras aves, bem como os preparados com ovos devem ser cozinhados a temperaturas adequadas e consumidos de imediato. Os alimentos devem ser bem embalados e mantidos frescos quando transportados. Estas e outras informações pode encontrar aqui.
Por fim, uma mensagem de esperança. Os celíacos podem ter uma vida longa e perfeitamente saudável depois de adaptarem o seu modo de comer e com o apoio adequado. E comer sem glúten pode também ser apetitoso e variado!
Para saber mais:
https://www.saudecuf.pt/mais-saude/artigo/o-que-e-a-doenca-celiaca
Da Costa I, Ferreira S, Nadal J, Schmidt S, O princípio do direito humano à alimentação adequada e a doença celíaca: avanços e desafios, Demetra; 8(3); 411-423 (2013)
Alimentação na Doença Celíaca, colecção E-books APN: Nº 34, de 2014
J. A. et al., Practical insights into gluten-free diets, Nat. Rev. Gastroenterol. Hepatol. 12, 580–591 (2015)
*A elaboração do presente texto teve o apoio de Maria João Marado Fernandes