Porco bísaro transmontano
Apresentamos, nesta edição, mais um artigo dedicado às raças autóctones de Portugal. Neste caso, sobre o porco bísaro transmontano.
As raças autóctones de origem animal têm proveniências bem definidas e características únicas que fazem delas raças adaptadas à sua região e função. Possuem habitualmente as designações DOP (Denominação de Origem Protegida) e IGP (Indicação Geográfica Protegida) que garantem a sua origem e qualidade. Em Portugal existem mais de três dezenas de raças autóctones de bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equinos. Estas espécies têm características de sabor únicas que fazem delas uma “carne de excelência”.
Defendemos a redução do consumo de carne, em quantidade, bastando uma refeição de peixe ou carne por dia. Consumir maiores quantidades não é necessário do ponto de vista nutricional representando, adicionalmente, um grande impacto ambiental. Ao se reduzir a quantidade diária de carne ou peixe, podemos investir na sua qualidade e num tipo de consumo mais ocasional que garanta sabor, qualidade nutricional e também que proteja a nossa agricultura, os nossos agricultores e o nosso património genético e paisagístico.
Muitas destas raças autóctones estiveram próximas do desaparecimento, mas, através de um trabalho apurado de entidades oficiais e de produtores foi possível recuperar os efetivos. No entanto, a manutenção deste património passa também pela criação de condições de autossustentabilidade, ou seja, a valorização da carne e do seu consumo. Razões mais do que suficientes para darmos a conhecer as “Raças autóctones de Portugal”, designadamente o porco bísaro.
Caracterização
De acordo com o recenseamento Geral de Gados no Continente do reino de Portugal (1870), porco bísaro ou o bísaro transmontano ” é o nome que se dá nas províncias do Centro e Norte do reino ao porco esgalgado pernalto e de orelhas pendentes para distinguir do porco roliço e pernicurto do Alentejo. O apelativo Céltico foi empregado por Sanson para exprimir a antiguidade do porco deste tipo que era o único que existia nos povos célticos da antiga Gália.”
A Carne de Bísaro Transmontano / Carne de Porco Transmontano DOP é proveniente de leitões (abatidos até aos 45 dias de vida) ou de machos castrados ou fêmeas (abatidos a partir dos 8 meses) da raça Bísara, criados de modo tradicional. Ou seja, os animais são criados num sistema tradicional, à base de produtos e subprodutos da agricultura local. As explorações têm de ter área suficiente, quer para produzir os alimentos para os animais, quer para parques de recreio e pastagem. Entre outubro e novembro, muitos criadores levam os seus animais para os soutos, aproveitando a castanha caída no chão. A alimentação é diversificada, dependendo das colheitas anuais e tendo por base uma mistura de cereais (normalmente trigo, milho, centeio, aveia) suplementada com hortícolas, fruta diversa, cereais em verde, castanhas, etc.
Características nutricionais
A carne de bísaro é rica em proteína de elevado valor biológico (cerca de 22% do peso) possuindo todos os aminoácidos essenciais na sua constituição. O seu elevado teor proteico contribui para o crescimento e manutenção da massa muscular e para a manutenção da massa óssea. Contém uma quantidade significativa de vitamina B12 (apenas presente nos produtos de origem animal). O défice desta vitamina no nosso organismo pode originar anemia megaloblástica, fadiga, fraqueza, perda de apetite, diminuição da divisão celular e alterações neurológicas, incluindo demência. Relativamente à sua composição em lípidos (gordura) verifica-se que o porco bísaro, quando comparado com o porco de produção industrial, apresenta uma percentagem de gordura intramuscular total superior. Contudo, o porco bísaro possui uma percentagem significativamente menor de ácidos gordos saturados relativamente ao porco de produção industrial e uma maior percentagem de ácidos gordos monoinsaturados. Ou seja, o porco bísaro apresenta um perfil de gordura mais saudável. Para além deste saudável equilíbrio entre ácidos gordos saturados e insaturados, o ácido oleico predomina na gordura do bísaro-, o que pode trazer benefícios para a saúde, dado que este está associado a uma diminuição de LDL (low-density-lipoprotein) e a um aumento de HDL (high-density-lipoprotein). Desta forma, a carne de bísaro torna-se uma interessante opção sob o ponto de vista nutricional, comparativamente à carne de porco de origem industrial.
As fêmeas, de uma forma geral, apresentam uma maior proporção de gordura subcutânea, enquanto que os machos verificam uma maior proporção de músculo. O sexo interfere também com a quantidade de gordura intramuscular, bem como o peso do animal (quanto maior o peso, maior o teor de gordura) e a peça. Quando comparadas as diferentes peças do porco bísaro (lombo, pá e perna), verifica-se que a pá é aquela que detém uma maior quantidade gordura intramuscular, gordura saturada, e menor percentagem de proteína, enquanto que o lombo tem menor quantidade de gordura intramuscular, de gordura saturada, e maior quantidade de proteína. Dentro destas três peças, o lombo parece ser a peça com melhor qualidade nutricional e sensorial pelo seu teor de gordura.
Relativamente ao teor de purinas, o leitão poderá apresentar uma quantidade significativa deste composto, por esta ser uma carne mais jovem. Estas associam-se à formação de ácido úrico, por isso, se apresenta condições clínicas associadas à acumulação deste ácido, como a gota e hiperuricemia, deverá limitar ou até mesmo evitar esta carne em particular.
Como confecionar?
Consoante o tipo de peça em questão, os métodos de confeção mais adequados variam, como é o caso da pá grelhada ou assada, o lombo assado ou a perna assada ou grelhada. Na confeção a quantidade de gordura deve ser minimizada. Deve sempre ser retirada a gordura visível da carne antes da própria confeção e, no caso de assar a peça, deve ser feita uma marinada com vinho ou cerveja, cebola, alho, ervas aromáticas e especiarias a gosto, de preferência na véspera, para que a carne apresente um sabor mais apurado. No dia da confeção regue a peça com a marinada, leve ao forno e, no final da confeção, deve retirar a carne do molho, uma vez que este contém a maior parte da gordura.
Se optar por assar este tipo de carne, deve ter em atenção os cuidados necessários para evitar e/ou reduzir a formação de Aminas Aromáticas Heterocíclicas (AAH). Estes são compostos potencialmente carcinogénicos e formam-se quando o alimento é confecionado a elevadas temperaturas (180ºC-300ºC). Consulte o nosso artigo nesta temática das Raças Autóctones de Portugal, sobre o cabrito, para descobrir as técnicas que permitem um consumo mais seguro deste tipo de confeção.
Concluindo,
Esta raça autóctone portuguesa apresenta algumas características alimentares e nutricionais interessantes quando comparado com a carne de porco proveniente de produção industrial, nomeadamente no que diz ao sabor e qualidade da gordura. Ao optar pelo porco bísaro está, também, a promover o património nacional e a preservar a atividade rural do nosso país.