Há um ano atrás, a 6 de fevereiro de 2016, foi votado e aprovado na Assembleia da Republica, a alteração ao Código da Publicidade , estabelecendo restrições à publicidade dirigida a menores de determinados produtos alimentares e bebidas. Entre outros aspetos, a proposta sugeria a possibilidade de:
- Proibir “a publicidade a alimentos e bebidas de elevado teor em açúcar, gordura ou sódio na televisão e na rádio nos 30 minutos anteriores e posteriores a programas infantis, e a programas televisivos cujas audiências tenham um mínimo de 20% de audiência inferior a 12 anos, bem como na inserção de publicidade nas respetivas interrupções.”
- “As comunicações comerciais e a publicidade de quaisquer eventos em que participem menores, designadamente atividades desportivas, culturais, recreativas ou outras, não devem exibir ou fazer qualquer menção, implícita ou explícita, a marcas de publicidade a alimentos e bebidas de elevado teor em açúcar, gordura ou sódio.”
Apesar de ter sido votado favoravelmente, a Lei desceu à Comissão da Especialidade, de onde ainda não saiu e, portanto, permanece sem efeito.
Agora que se cumpre um ano desta votação, o PNPAS apresenta dois documentos, que nos obrigam a não abandonar a discussão em torno deste importante e complexo assunto.
O primeiro é o relatório “Net Children – Go mobile” financiado pela Comissão Europeia e pela Fundação Ciência e Tecnologia (FCT) com dados sobre a relação das crianças portuguesas e europeias (3500 crianças avaliadas) com a internet e a utilização de dispositivos móveis que facilitam o acesso à rede. Alguns dados que vale a pena reter:
- Mais de metade das crianças da amostra (55%) acedem à internet, diariamente, por conta própria, a partir do seu quarto.
- Em Portugal, as crianças começam, em média, a utilizar a internet aos 8 anos.
- 60% das crianças europeias analisadas, com idade entre os 11-12 anos já tem um perfil numa rede social (Facebook, Twitter, etc).
- Em Portugal, as crianças com idades entre os 11-12 anos, com perfil numa rede social (80%) são proporcionalmente em maior número que no resto da Europa (60%).
- 16% das crianças dizem que já tentaram, mas não conseguiram, estar menos tempo ligados à internet.
- 50 % das crianças concorda com a afirmação “Sinto uma forte necessidade de estar sempre a verificar o meu telefone para ver se aconteceu algo de novo”
- 57% das crianças portuguesas reporta ter experimentado duas ou mais formas excessivas de utilização de smartphones (superior à média europeia) que é 48%.
- Os pais portugueses são dos que mais tentam controlar a utilização da internet pelos filhos, mas são os portugueses, os pais desta amostra europeia que menos “controla os conteúdos de uma forma interativa com os filhos” (68 %).
Adicionalmente, e já este ano, foi publicado o relatório “Heart and Stroke 2017” sobre a saúde dos canadianos que examina como a indústria alimentar publicita alimentos e bebidas não saudáveis para crianças e como são afetadas as suas preferências e escolhas, suas relações familiares e a sua saúde. Neste relatório foi avaliado o volume de publicidade online de alimentos e bebidas e a qualidade dos produtos publicitados, sendo a primeira pesquisa deste tipo naquele país. Alguns dados deste relatório que vale a pena reter:
- No espaço de um ano (neste caso foi observado o período de junho de 2015-maio 2016) as crianças podem chegar a visionar mais de 25 milhões de anúncios de alimentos e bebidas em seus sites favoritos. Destes anúncios, mais de 90% são de alimentos processados e bebidas com alto teor de gordura, sódio ou açúcar.
- 90% dos alimentos e bebidas publicitados na televisão têm quantidades excessivas de sal, gordura ou açúcar.
- Em média, as crianças canadianas, vêm cerca de duas horas de televisão por dia e quatro a cinco anúncios a alimentos e bebidas por hora.
- As crianças e adolescentes canadianos passam quase oito horas por dia diante de ecrãs.
- 77% dos pais entrevistados dizem ser difícil monitorizar e controlar a publicidade direcionada às crianças.
Estes são números que obrigam a uma reflexão urgente sobre este problema e o despertar da sociedade, em particular dos encarregados de educação, professores e profissionais de saúde para esta situação.
Não se trata porém de impedir o direito à informação que nos traz a publicidade nos media, um espaço único de criatividade e liberdade. Não se trata de proibir ou limitar o acesso à internet ou redes sociais, até pelo papel importante que hoje têm na transmissão de informação e de um certo tipo de socialização e compreensão do mundo. Mas acima de tudo, impedir que este espaço de ninguém e onde as crianças passam horas, se transforme no local ideal para induzir comportamentos alimentares que colocam em risco a saúde das crianças.
Esta discussão põe ainda em foco, um assunto que deveria ser tratado diariamente: qual a melhor maneira de educar uma criança face à enorme probabilidade de contactar diariamente com exposições fantasiosas sobre consumos de produtos alimentares perigosos para a sua saúde quando consumidos em excesso.
Para ler estes relatórios descarregue gratuitamente aqui e aqui.